ERA 2019 E TODOS QUERIAM KVEIK

Passada a moda das kveiks, que teve seu pico pandêmico no segundo semestre de 2019 quando todos queriam uma “isca” e alguns mais espertinhos até vendiam pela internet, hoje nos sobrou um bocado de experiências cervejeiras e algumas pistas do lugar que essas leveduras ocupam/ocuparão no hobby cervejeiro.

Como um usuário recreativo (de kveik), elenco abaixo sete pontos que considero essenciais ao cervejeiro saber antes de sair por ai fazendo bateladas de 20, 40 ou 60 litros com essas leveduras (e se decepcionar e, consecutivamente, criticar as kveiks). Vamos aos pontos:

1) Elas gostam de fabricar cerveja maltada
Kveik é uma “família de leveduras” e tem kveik de diversos tipos (o principal catálogo está disponível em http://www.garshol.priv.no/download/farmhouse/kveik.html) e cada uma dessas kveiks tem um jeito diferente de se trabalhar. Cada uma pode se encaixar em um estilo que gostamos (o que nos torna colecionadores de kveiks) e tudo depende de como iremos adapta-las. Mas é bom lembrar que kveiks são usadas originalmente para cervejas bem maltadas e muitas vezes mais escuras (nada de cervejas translúcidas e bem lupuladas como os americanos nos ensinaram a gostar), por isso a primeira e boa cerveja com Kveik que aconselho uma pessoa a fazer é próxima dessas características originais. Todavia, sempre queremos usar essas leveduras nesses “estilos americanizados”. Até uma Irish Red Ale queremos bem translúcida e, por incrível que pareça, bem lupulada (na verdade as pessoas querem uma American Red Ale). Essa moda de cerveja translúcida e lupulada não parece passar. E antes que me acusem, eu também gosto desse tipo de cerveja e muitas vezes fico querendo isso na minha produção. É mais forte que eu!!! É o que chamamos na antropologia social de estrutura cultural. Mas a kveik não está nem ai para nossa cultura, ela foi trazida lá de longe e ela gosta mesmo é de produzir cerveja maltada. Você que lute para adaptá-la ao nosso gosto!

2) O mito da fermentação em temperatura ambiente
Kveik precisa sim de controle de temperatura. Numa temperatura mais alta, mas precisa ter controle. É mito dizer que não precisa de controle de temperatura. Não sei quem inventou isso no Brasil, mas é pura balela dizer que não precisa de controle. Dizem que “em temperatura ambiente funciona!”. Mas qual temperatura ambiente estão falando? Do laboratório de Pasteur, da Baixada Fluminense no RJ ou de Porto Alegre em Julho? Até US-05 fermenta em temperatura ambiente, já daí sair uma boa cerveja eu acho bem difícil. Ainda não conheço levedura que goste de mudanças de temperatura (de dia 30 graus e a noite 20), mas meu conhecimento é bem pequeno, talvez exista e eu não conheça. Mas definitivamente esse não é o perfil das Kveiks.

3) O açúcar que vem do malte é importante
Essa é uma “família” de leveduras que pedem muito estudo, especialmente do malte. Conforme varia o grist de maltes o cervejeiro terá uma complexidade diferente de potencial de produção de açúcares e isso é essencial para as kveiks. É preciso atentar para o tipo de açúcar que será produzido na mosturação.

4) O açúcar que vem do malte é importante pra Car@1#0
As rampas de temperatura na brassagem também são muito diferentes com Kveik. É preciso fazer uma rampa bem alta, acima de 68° para que açúcares com cadeias mais longas sejam produzidos e a kveik não deixe a cerveja seca. Isto é, é preciso atentar para o tipo de açúcar que está sendo produzido.

5) Sabe os adjuntos doces? Segura a mão champion…
Sabendo desse princípio quanto ao tipo de açúcar que será dado as kveiks, não é recomendado, a não ser que o cervejeiro seja bem experiente, inserir açúcar de mesa, mel ou qualquer fonte de açúcar com cadeias pequenas em sua composição na fervura, pois isso vai fazer com que a kveik fique loca e você não tenha controle sobre seu produto. Somente utilize esses itens quando você já tiver testado mais de uma vez a mesma receita (mesmo maltes e lúpulos) com a mesma kveik. Não mexa em mais de uma variável ao mesmo tempo quando estiver trabalhando com essa levedura.

Açúcar! Açúcar! Açúcar!

6) Depois de trabalharem é hora de irem para outro lugar
As kveiks são bastante vorazes, então o risco de autólise é bem alto. Não recomendo deixar a levedura no fundo do fermentador e seguir para a maturação com elas lá. Retire esse material, pois qualquer mudança nas cadeias de açúcares fará com que elas voltem a atividade com tudo e o risco de autólise é bem alto (Esse fenômeno parece ser bem comum entre as leveduras lagers também. E você aí achando que kveik era o basic 1 e lager advanced 4, não é mesmo?!). Tomara que não aconteça na sua fermentação, mas se acontecer autólise a sua cerveja ficará com um sabor e aroma de fermento horrível.

7) Primming não cai bem com kveik
Sendo objetivo, não recomendo fazer primming com a kveik. Acabei de dizer que açúcares com cadeias curtas deixam elas loucas, né?! O recomendável é carbonatação forçada após um cold crash caprichado. Em último caso fazer primming, mas um primming com quase metade de açúcar de mesa que costumamos usar. Mas se fizer primming já sabe, né?! A kveik volta loucona, sua cerveja ficará turva (o terror para quem curte uma cerveja bem americanizada) e pode ter autólise.

Esses diversos pontos eu juntei conforme brassei com Kveik, conversei com bastante gente, doando iscas e ouvindo o que essa galera tava passando. Tudo isso é para dizer: kveik não é para iniciantes. Kveik precisa de um conhecimento bem profundo de produção cervejeira. Leveduras para iniciantes são as leveduras comerciais que são super fáceis de serem usadas. Elas foram selecionadas geneticamente em laboratório para serem mais previsíveis (e por isso só podem ser usadas por poucas gerações). Na seleção genética, comparar KVEIK com US-05 é a mesma coisa que comparar um Lobo Guará com um poodle. Enfim, se a pessoa ainda não domina o US-05, não use kveik. É muito mais complicado.

Por fim uma notícia muito boa: uma vez sabendo usar kveik, você terá sempre kveik. Poderá trocar kveiks e ganhar novos exemplares (e amigos usuários de kveik). Seu gasto com insumos irá diminuir e você terá mais confiança no uso de qualquer levedura. Você poderá ficar viciado (ou não) nessas bichinhas.

Enfim, kveik não é a salvação da lavoura, é somente mais uma opção. Mas, definitivamente, não é uma opção para os iniciantes e gambiarreiros.

Texto elaborado por: MB

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